#BlackMirror T01: trending topics, hashtag fora alguém e o brilho de uma mente sem lembrança.

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Algum amigo já falou pra você ver ou em alguma rede social o meme "isso é tão #BlackMirror" já apareceu em seu feed. Umas das séries hit do momento foi produzida e exibida pro canal britânico Channel 4 mas só depois que entrou pro catálogo do Netflix que bombou. #BlackMirror é uma série antológia, ou seja, seus episódios (em outros casos suas temporadas, como #AmericanHorrorStory) são independentes entre si. Existem pontos em comum mas uma coisa não precisa necessariamente de outra pra existir. Em #BlackMirror o ponto em comum é esse futuro próximo (talvez bem próximo) ou realidade paralela onde os episódios são desenvolvidos. Lá, as pessoas, seus cotidianos, suas relações e tudo que isso influencia estão completamente dependentes da tecnologia e sua telas (quase espelhos) pretos (daí o título). Com roteiros que despertam incomodo, identificação, sorrisos abismados ou constrangidos, os episódios de #BlackMirror só não deixam o espectador indiferente. É impossível assistir a algum episódio e não pensar na nossas próprias vidas e no contexto social que estamos vivendo. Pra essa temporada foram produzidos três episódios, vou falar de cada um separadamente com pequenos spoilers aqui e ali, então, se liga!


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E01 - "The National Anthem": A primeira temporada foi exibida em 2011 e esse episódio, se assistido hoje, parece apenas o retrato de alguma história que aconteceu ou pode acontecer qualquer dia desses. A princesa Susannah foi sequestrada por possíveis terroristas e a vida dela está nas mãos do primeiro ministro Michael. Pra salvar a princesa cheia de seguidores no Twitter e com milhares de likes no Facebook, Michael precisa ter uma "relação sexual" com um porco transmitida ao vivo pela televisão. O vídeo com a condição para a princesa ter sua vida poupada é divulgado no You Tube, a opinião das pessoas é baseada no que elas postam no Twitter e transmitido pelos canais de TV e a própria decisão do primeiro ministro é decidida baseada em tudo que é dito e escrito na TV e na internet. No final do episódio, com um salto no tempo de um ano, vemos que poucas coisas mudaram. A princesa vai ter um bebê e publicamente Michael está muito bem e seu relacionamento com sua esposa é só sorrisos. Quando as portas se fecham, Michael e sua esposa, que tinha implorado pra ele não ceder a condição dos "terroristas", agem friamente um com outro, nada parece bem. Nesse episódio o poder da televisão, a força e rapidez das redes sociais e todo o barulho que isso gera é o grande combustível da ação. Até onde você iria pra manter sua reputação? Colocaria a cumplicidade com uma pessoa que você ama em risco pra isso? Qual foi o grande assunto da internet no ano passado? Aquele que você publicou e retuitou várias matérias e comentários e estava super "engajado"? Você tem a mínima lembrança do que era? E o que você continua fazendo a respeito? Destaque para o ator Rory Kinnear que faz o primeiro ministro Michael.


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E02 - "Fifteen Million Merits": Nesse episódio, que pra mim é o melhor da temporada, um grupo de pessoas vive num lugar onde precisam andar de bicicleta (gerar energia) pra ganhar méritos (o dinheiro deles) pra poderem comprar comida e "coisas". Todos andam pra suas bicicletas sem se comunicarem muito entre si e usam uma espécie de uniforme. As "coisas" que eles compram com os méritos são apenas virtuais para seus avatares (cada um tem o seu) e até as frutas saem de uma máquina dentro de embalagens descartáveis. As paredes dos quartos onde dormem são telões que eles podem jogar, ver programas pra se entreterem e, se não tiverem méritos suficientes, a opção pular é desabilitada. Soa familiar? The Sims talvez? Então. Bling parece estar entediado daquilo tudo, anda no automático e não demonstra interesse em nada. Quando Abi surge, Bling se sente logo atraído por ela e então, enfim, parece ter algum motivo para poder seguir em frente. Os dois começam a se aproximar e nasce uma amizade. Em um gesto de carinho, Bling oferece a Abi uma entrada para o Hot Spot, o popular reality (um similar do #GotTalent ou #XFactor) que para algumas pessoas significa uma saída daquela vida de hamster andando em círculos sem chegar a lugar nenhum, uma luz no fim do túnel. O problema é que quando Abi participa do programa, a coisa não rola exatamente como ela e Bling estavam imaginando e é aí que a pulga entra atrás da nossa orelha. Numa primeira leitura é clara a reflexão proposta sobre como os realitys parecem ser para algumas pessoas a única forma de se destacar na vida, ter o tão sonhado "sucesso" (fama). Mas esse episódio, creio eu, propões vários tipos de reflexão e em vários níveis. Acho o discurso de Bling emblemático, por exemplo. Reclamamos de como as coisas estão, criamos hashtags com FORA alguém, mas sempre, de alguma maneira, voltamos a entrar no círculo e a rodar sem direção como hamsters. Talvez até ganhando alguma coisa com o que, numa primeira proposta, batia de frente com o círculo que não para de girar. Não temos escapatória? No monólogo incrível de Bling, a série coloca em dúvida a sua própria intenção de querer alertar as pessoas sobre alguma coisa, afinal, também está dentro da roda da TV, internet e por aí vai... E o modo como os jurados homens tratam a caloura Abi? E o modo como a jurada mulher se sente incomodada com o tratamento que Abi está tendo mas se mantém calada? O que acontece exatamente ali? E de uma maneira geral, juntamos "méritos", compramos coisas e estamos indo pra onde? Existe ao menos algum lugar pra ir com todas essas coisas? Sim, esse episódio faz a gente viajar, pensar e até imaginar milhões de teorias sobre tudo o que é mostrado ali. E é por isso que é genial. Destaque para os atores que interpretam Bling e Abi: Daniel Kaluuya e Jessica Brown Findlay (A Lady Sybil de #DowntonAbbey 💔).


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E03 - "The Entire History Of You": Assistindo a esse episódio é impossível não lembrar daquelas comunidades do Orkut do tipo "Queria ter uma entrada USB no cérebro" e "Queria que meus olhos tirassem fotos" ou do filme #BrilhoEternoDeUmaMenteSemLembranças. O episódio começa com Liam em uma entrevista de emprego onde aparentemente tudo é bem parecido com a nossa realidade atual, daí ele entra no taxi pra ir embora e percebemos que ele tem uma espécie de aplicativo instalado no próprio corpo onde uma câmera no seu olho filma tudo que ele tá vivendo. E não para por aí. O "aplicativo" permite que você jogue as imagens para outras telas, volte, reveja, dê zoom e por aí vai. No táxi, inclusive, vemos uma curiosa propaganda onde se anuncia uma novidade do "aplicativo": uma nova versão com uma super memória capaz de armazenar uma década das filmagens. Uma espécie de linha do tempo do Facebook "melhorada". Agora reflita: se hoje em dia algumas pessoas já ficam obcecadas e (num exemplo mais próximo da realidade do episódio) casais até se agridem pelo que vêem no Facebook, WhatsApp e etc. um do outro, imagina com esse "aplicativo"? Imagina ainda não ter a possibilidade de esquecer nada... Parece bom? Sério mesmo? Liam e sua esposa têm essa possibilidade e a coisa toda não chegou num ponto muito bom depois que uma desconfiança surgiu num jantar com amigos. Lembrar de erros e acertos faz parte do crescimento do ser humano e o esquecimento de algumas dessas coisas também é parte fundamental do processo de seguirmos em frente. Liam surtou ao ter total controle de suas memórias a qualquer momento que quisesse. Mas não surtaríamos todos? Esquecer ou não saber é uma coisa que faz parte da nossa natureza. O que a tecnologia estaria tirando de natural e orgânico do ser humano e substituindo por "aplicativos"? Essa é a grande sacada desse também ótimo episódio. Destaque para a fotografia, continuidade e edição pelos vários pontos de vista "filmados" pelos olhos das personagens. A cena onde o casal está transando usando o aplicativo também merece ser lembrada pela crueza e melancolia.