As quase 8hrs de complexas histórias no EXCELENTE doc #OJMadeInAmerica

Nunca tinha ouvido falar no O.J. Simpson e nem sabia de quem se tratava até o final de 2015. Foi nessa época que o Ryan Murphy (#NipTuck, #Glee, #AmericanHorrorStory) anunciou a sua, até então, nova série, a #AmericanCrimeStory. Assistir filme/série com histórias de pessoas reais dá logo aquela vontade de, depois de assistida, ir correndo pro Google pesquisar e saber por onde aquelas pessoas andam né? Pois bem. Foi assim que cheguei nesse documentário. E se já tinha ficado surpreso com o que tinha visto na excelente "ficção" do Ryan Murphy, aqui fiquei ainda mais chocado e pude entender ainda mais dessa história cheia de personagens complexos inseridos em tramas igualmente complicadas.

Em aproximadamente sete horas e trinta minutos, dividas em 5 partes, o diretor Ezra Edelman investiga de forma brilhante a vida de O.J. Simpson com base em depoimentos e muitas imagens de arquivos, câmeras de segurança, gravações em fitas, etc. Um dos pontos positivos do documentário é a compreensão de que essa não é uma história simples e que sim, existem pontos principais, porém, pra tentar entender o por que desses pontos principais terem ocorrido precisamos entender, por exemplo, qual era o contexto daqueles personagens, como foram as suas trajetórias e por aí vai. Nesse sentido, o formato não poderia ser melhor. Sim, são quase oito horas, mas são horas bem gastas num verdadeiro estudo de caso.

Se em #AmericanCrimeStory a história começa com o policial Mark Fuhrman encontrando os corpos de Nicole Brown Simpson e Ronald Lyle Goldman assassinados na residência da primeira, passando pela declaração de que O.J. (marido de Nicole) era o principal suspeito de cometer o crime, o circo que ele montou para se entregar para polícia e vai até o julgamento que o declarou inocente, em #OJMadeInAmerica, o diretor Ezra Edelman vai mais fundo. Temos uma noção de como foi a vida de O.J. desde jovem e ascendente jogador de futebol americano, passando pelos ocorridos que a série de "ficção" também conta e vai até muitos anos depois. Como um cara que aparentemente tinha tudo e era adorado pelo povo chega ao ponto de ser acusado de assassinar sua esposa? Como o julgamento desse cara virou uma espécie de programa de TV que mobilizou as pessoas e as levaram a ter uma espécie de catarse com o seu fim?
É interessante observar a "evolução" de O.J.. Jogador de futebol jovem, bonito, carismático e talentoso que se deslumbra com a fama. A frase "Não quero ser reconhecido pela minha cor, quero ser reconhecido apenas como O.J." é bem marcante. Nela já percebemos duas coisas de cara: 1. Ele não tinha nenhum apreço pela questão racial (Ok, isso era um direito dele, ninguém PRECISA ser militante) e 2. A importância que ele dava para a persona O.J., um personagem criado por ele para ser mostrado pro público como a materialização da perfeição, um exemplo a ser seguido e que muitas vezes ele chegava, inclusive, a falar na 3ª pessoa justamente como se fosse uma outra pessoa. O que nos dá motivo pra reflexão é o fato de que mesmo no patamar de pessoa célebre e querida em que O.J. chegou, ele nunca fez questão de se posicionar sobre o fato de negros estarem sofrendo nas mãos dos policiais de Los Angeles ou sobre o racismo de uma forma geral. De novo, ele não era obrigado a nada, mas ao mesmo tempo isso mostra sua total falta de compaixão com um grupo de pessoas oprimidas que poderia ter nele uma voz para um pedido de socorro, de ajuda.

O circo montado com a ajuda de O.J. em sua "fuga" antes do julgamento é surreal. As pessoas foram para o meio de uma enorme avenida esperar um suposto assassino passar em um carro fugindo da polícia para aplaudi-lo. WTF! E se a idéia inicial da fuga era apenas ir falar com a mãe antes do julgamento, tudo pareceu muito cômodo para o viciado em atenção O.J. quando viu helicópteros, viaturas, pessoas gritando e todo um escarcéu lhe acompanhado. Em seu julgamento é assustador acompanhar sua frieza e "atuação" para as câmeras e para o júri. O momento em que ele prova as luvas é surpreendente pelo seu exibicionismo e claro esforço para que as luvas não entrem em suas mãos, além de ter certeza de que todos ali estejam assistindo a sua "performance". Bom, o julgamento como um todo também é bem surreal. Câmeras para todos os lugares e uma total influência do "lado de fora". Virou um "especial" da TV com horas e horas de exibição e mesmo com o esforço da Marcia Clark e sua equipe, as pessoas pareceram simplesmente ter esquecido de Nicole Brown Simpson e Ronald Lyle Goldman e focado em outros assuntos que sim, eram importantes e deveriam ter atenção das autoridades, mas não era o motivo pelo qual todos estavam ali.

É claro que o comportamento da polícia de Los Angeles com os negros estava BEM equivocado (pra dizer o mínimo) e que alguma providência deveria ser tomada. É claro que o fato de Mark Fuhrman ter mentido sobre ter usado ou não "a palavra" disse muita coisa sobre o preconceito velado dele e dos policiais. E é claro também que a falta de um juiz que dirigisse o julgamento para o que realmente deveria ser julgado tornaram "o julgamento do século" numa enorme e televisionada bagunça. O momento em que Marcia Clark mostra as fotos de Nicole e o júri simplesmente parece não se importar é chocante. Era o motivo pelo qual todos estavam ali e ninguém parecia se importar com aquela mulher que foi agredida e cruelmente assassinada. E se em #AmericanCrimeStory nos é dito pouco ou quase nada sobre Nicole, assim como no geral, em #OJMadeInAmerica temos uma boa noção de quem ela era. Bonita, jovem, aparentemente classe média, com uma iniciada carreira como modelo, casou cedo com O.J.. Aqui nos são mostradas fotos, áudios de ligações para a polícia onde ela pede socorro, trechos de diários relatando agressões e um pouco da tentativa da mesma de sair do casamento abusivo. Nicole tinha medo pelos filhos, por ela (já que O.J. a sustentava, ela não tinha uma profissão e ele também administrava as coisas da família dela) e O.J. era O.J.! Ele podia fazer o que quisesse e quem era ela? Apenas a esposa desse poderoso homem. Mais uma triste e clássica história de violência doméstica onde a mulher se vê "presa" na relação com um trágico final.
Marcia Clark, a outra protagonista feminina dessa história, nas imagens de arquivo, aparentava quase sempre uma expressão de derrota. Era claro que não importava o esforço que fizesse, sua causa já estava perdida. A defesa de O.J. já tinha direcionado o julgamento para outro rumo e o juiz simplesmente aceitou. O fato de O.J. ter se transformado numa espécie de representante da causa dos negros também é algo muito surreal de se assistir em #OJMadeInAmerica. Desde a transformação da sua mansão em uma "casa mais negra" para a visita do juiz e do júri, até após o julgamento, quando o mesmo assume o papel de "participante da causa negra", tudo parece apenas um teatro de um cara desequilibrado que se perdeu na construção desse personagem O.J.. Outro fator interessante de se observar é como, ao fim do julgamento, negros e brancos ficam ainda mais divididos. Se inocentar O.J. era uma forma de "vingança" pelo que estava ocorrendo com os negros de Los Angeles, uma forma de deixar tudo "pau a pau", bom, a medida burra só se confirmou. A imagem de brancos chorando e negros comemorando é bem assustadora e triste. O ciclo vicioso de injustiça só dava mais uma volta.

Se restava alguma dúvida sobre o deslumbramento de O.J. com dinheiro e fama, acho que essa dúvida é respondida com os anos que se passam após o julgamento. Mesmo tendo sido inocentado, O.J. começou a perder tudo, a se perder e perder o controle da sua persona O.J.. Uma passagem interessante do documentário é quando O.J. vai a um programa de rádio e a apresentadora confessa que mesmo não gostando dele tinha se encantado com sua presença. O.J. parecia realmente ter esse poder de seduzir a todos a seu redor e fazê-los crer no que ele quisesse. O que dizer das confissões do seu agente da época em que ele diz que O.J. o disse "se ela não tivesse atendido a porta com uma faca, talvez estaria viva até hoje", e o livro que ele "confessa" que assassinou Nicole? E a promessa que tinha feito no fim do julgamento que iria fazer de tudo para encontrar o verdadeiro assassino? Sem contar o fato de que ele não queria mais mencionar o "ocorrido". Para O.J. o assassinato da mãe dos seus filhos tinha virado isso, um "ocorrido", um motivo de um livro com uma falta de respeito sem precedentes, só mais um pequeno acontecimento na vida do grande O.J..

Acho emblemática a fala que o diretor escolheu para o fechamento do documentário onde O.J. diz que gostaria que as pessoas lembrassem dele como o "verdadeiro" O.J. do início. Agora me pergunto, seria aquele o verdadeiro O.J. ou o O.J. que ele gostaria que nós enxergássemos como verdadeiro? #OJMadeInAmerica é, sem dúvidas, um documentário que deve ser visto. Sua profundidade na investigação do caso, imparcialidade, montagem, ricas entrevistas é assustadora! Uma obra prima que provavelmente se tornará exemplo para estudos de diversos temas. Se ainda não assistiu e chegou até o fim desse texto, corre pra assistir (e obrigado pela paciência por ler tudo isso! 👍🏻) porque não vai se decepcionar. Não gosto de classificar filmes com estrelas, mas esse, com certeza, mereceria cinco!