#TheVow: seitas, vulnerabilidade, pirâmides, oportunismo e lavagem cerebral


Quando nos deparamos com alguma notícia de que alguém foi pego em algum golpe ou enganado de alguma maneira, na maioria das vezes o primeiro pensamento que nos vem a cabeça é: "Como fulano pôde cair nisso?", "Mas fulano não percebeu os sinais? Socorro!". Muito que bem. #TheVow (disponível na HBOGo) mostra como o buraco pode ser muito mais embaixo, como somos atraídos de uma forma muito bem pensada, que nem o mais esperto dos espertos (ou o que se acha o próprio) está livre disso e que pode, de repente, se ver preso numa tremenda de uma encrenca (pra dizer o mínimo).

SPOILERS LIVRES A PARTIR DAQUI

Lá em 2018 bombaram na internet notícias que a atriz Allison Mack, que interpretou a Chloe em #Smallville (talvez uma das personagens mais queridas da série) estava envolvida numa seita onde as mulheres se tornavam escravas sexuais, tinham seus corpos marcados a ferro quente, viviam sobre ameaças dentre outras coisas horrorosas. Foi uma bomba e todo mundo ficou com cara de WHAT!? Era tudo muito surreal, parecia ficção, mas não era. #TheVow tenta entender e mostrar como uma pessoa entra numa seita e, ao longo de 9 episódios (poderiam ser menos, aliás) e vários pontos de vista de ex-membros da empresa NXIVM, sim, porque tudo começava por essa empresa que vendia cursos que prometiam seu avanço pessoal e quiçá espiritual (parece familiar?) temos um bom painel para entender o quão sorrateira e cruel funciona a mente do líder dessa pirâmide.

Lá pela metade do quarto episódio temos um registro emblemático, o primeiro encontro de Alisson com Keith Raniere, o líder da tal empresa NXIVM. É interessantíssimo notar como a atriz parece vulnerável e como Raniere consegue conduzir a conversa a seu favor e a converte ali, numa quadra de vôlei, rapidamente. Também é surpreendente notar como o corpo dos dois fala e a partir daquele registro entendemos como ela foi capaz de idolatrar aquele homem e participar das coisas terríveis que ela participou. Quase no fim do diálogo ela diz que quer fazer uma sessão privada com ele e, ao longo dos episódios, temos uma noção de como essas sessões (não com ela, mas de uma maneira geral) aconteciam, como as palestras eram conduzidas, o curso intensivo de cinco dias e como era feita uma lavagem cerebral nessas pessoas que estavam vulneráveis e em busca de respostas e entendimentos. E esse é o ponto. Um pessoa vulnerável está sensível, com feridas abertas e Keith, psicopata e oportunista ao extremo, sabia como tocar no ponto fraco de cada pessoa, de cada mulher e jogar isso a seu favor. Ao longo dos episódios fica completamente crível o porque dessas mulheres entrarem numa espécie de transe ao ponto de pedir autorização para o "mestre" pra comer, lamber uma poça de lama no meio da rua e até "deixarem" ser marcadas a ferro quente com as iniciais de Keith e Allison. Aqueles videos com a ex enfermeira e hipnóloga Nancy Salzman é o claro exemplo de lavagem cerebral. Outra coisa interessante de se notar é que mesmo saídos da seita, até os homens (que não eram marcados na pele), carregam uma marca, um trauma enorme. Se vêem repetindo atos que faziam ainda na seita e são tomados pela culpa. Um problema que só com muita terapia, real e sem ligações com outras coisas, podem ajudar essas pessoas.

Vale muito a pena assistir a série até como forma de ficar atento e, repito, poderiam ser menos episódios, mas isso não está tão longe da nossa realidade. Histórias de sociedades secretas, pirâmides, com promessas de melhoras milagrosas em nossas vidas vivem brotando em conversas com amigos e amigas e é sempre bom estar atento. Keith foi condenado a 120 anos de prisão, Allison pagou uma fiança milionária, ficou em prisão domiciliar e nas minhas pesquisas, o que se tem de mais recente, é que a mesma se declarou inocente de algumas acusações e aguarda sentença. O caso é tão grande e tem tantas ramificações que a HBO já confirmou uma segunda temporada. Só espero que seja uma temporada mais objetiva e não como a 2ª temporada de #MakingAMurderer que virou um reality de qualidade questionável. Aguardemos. 

Aqui um video do podcast moduspod onde a Carol Moreira, a Mabê Bonafé e a Marina Smith também falam sobre #TheVow num papo interessantíssimo: