Roteiro forte e elenco brilhante fazem de #AVozSupremadoBlues um ótimo filme

Um dia na vida de músicos na década de 1920. Um dia na vida de músicos NEGROS na década de 1920. Esse é, muito resumidamente, o plot de "A Voz Suprema do Blues". A ida a um estúdio para a gravação de algumas músicas, o que seria algo fácil e simples para alguns, se torna uma verdadeira saga com pequenas lutas a cada passo dos personagens do filme. Se passa em 1920, mas infelizmente é bem atual. Olhares preconceituosos nas ruas, ter que argumentar duas vezes mais para sustentar um argumento ou ter que ser insistentemente enfático em como gostaria de ser pago pelo seu trabalho são apenas aguns exemplos de situações mostradas no filme.

Dois personagens tem destaque para exemplificar essa luta diária contra o racismo naquele quentíssimo dia em Chicago: Ma Rainey, personagem real mas que pouco conhecemos profundamente, afinal, não se trata exatamente de uma biografia, e Levee, personagem fictício (mas muito real) que carrega consigo a vontade de poder ser um homem realmente livre e que tem na garganta vários gritos abafados. Com isso, chegamos aos dois grandes trunfos do filme: o roteiro com falas bem construídas, fortes, importantes e o elenco extremamente talentoso e entregue. 

Chadwick Boseman (Levee) rouba o filme pra si e o que seria um personagem coadjuvante se torna o grande destaque do filme. Ele possui monólogos que mostram sua incrível entrega para o personagem mas mesmo em cenas menos importantes o cara está com um brilho fenomenal. Diante de tanto talento é triste pensar que esse foi seu último trabalho e quanta coisa boa poderia nascer com ele, porém, ao mesmo tempo, é bonito, até poético, ver que esse último trabalho seja tão brilhante, com um tema tão importante e que o próprio Boseman levantava a bandeira na sua vida fora das telas. Perdemos um grande talento.

Mesmo com Boseman se destacando, a presença de Viola Davis (Ma Rainey) é, por si só, um evento. Se ela não abrisse a boca ficaríamos olhando pra tela, vendo aquela figura iluminada, aguardando que a mesma falasse alguma coisa. E ela não só fala como entrega uma performance maravilhosa, bem trabalhada, pensada e está bem diferente de outros trabalhos, com maquiagem propositalmente exagerada, prótese de dentes de ouro e sempre muito suada. Viola é Viola, simplesmente maravilhosa. 

Com um pouco menos tempo de tela mas não com menos eficácia, os músicos da banda, encabeçados por Colman Domingo (Cutler), são pura simpatia, entrosamento e entrega. Além de Domingo, Glynn Turman (Toledo), Michael Potts (Slow Drag) e o jovem Dusan Brown (Sylvester, o sobrinho de Ma) merecem ser lembrados. Um suporte de peso para Boseman e Davis brilharem. 

"A Voz Suprema do Blues" tem uma bela fotografia que valoriza a pele negra e acerta na ambientação daquele dia com altas temperaturas e o clima claustrofóbico do estúdio onde a maior parte da ação se passa, porém, entretanto, escorrega na adaptação peça de teatro - filme. Tanto nas marcações do elenco como na forma que algumas cenas foram enquadradas, é constante a sensação de que estamos vendo uma peça filmada. George C. Wolfe poderia ter se esforçado mais nesse quesito mas o trabalho feito com os atores, e dos atores, é tão espetacular que quase ignoramos os pontos negativos. 

Filmaço e está disponível na Netflix.