O que o processo de luto faz com cada ser humano? #PiecesOfAWoman reflete sobre o assunto

Um sentimento que eu, que não sou pai nem mulher, só de imaginar, já tenho arrepios, para quem vive a perda de um filho então, a situação deve ser devastadora. Para a mulher é surreal imaginar. Um serzinho dentro da sua barriga, chutando, crescendo e crescendo com você suas ansiedades, medos, alegrias, expectativas e do nada, num piscar de olhos, essa pessoa deixa de existir, tudo que seria construído, que estava começando a ter raiz, é arrancado, acabado. 

Muitos filmes falam sobre o assunto e lembrei de alguns assistindo a "Pieces of a woman" como "Reencontrando a felicidade" (disponível na HBO GO), "As Coisas impossíveis do amor" (disponível no Prime Video) e, de uma forma um pouco diferente, "O olmo e a gaivota" (disponível também na Netflix), todos esses filmes falam de coisas em comum: como a cabeça da mulher sofre uma chacoalhada quando ela está grávida e como um trauma como a morte do bebê só piora tudo. 

Claro que existem variações, o fator individual de cada ser humano e a proposta de cada um desses filmes. Mas a grande maioria das mulheres é enfática ao dizer que é uma experiência que nunca esquecerão. Elas, as mulheres, claro e obviamente, são as mais afetadas, mas todos ao redor, de alguma forma também precisam lidar com a perda, e, no caso de "Pieces of a woman" é parte da família da Martha, a protagonista vivida por Vanessa Kirby. 

SPOILERS A SEGUIR!

Inspirada numa história real da roteirista Kata Wéber, o diretor Kornél Mundruczó é eficaz ao já abrir o filme com um plano sequência de aproximadamente 25 minutos. O uso dessa linguagem cai como uma luva para mostrar a situação de angústia, de pressão, de dor, de emergência, de três pessoas completamente no limite onde uma vida está em jogo. São 25 minutos mas a sensação é de mais tempo tamanha angústia. É lindamente filmado e o fotógrafo (que também operou a câmera) Benjamin Loeb (mais sobre a filmagem dessa cena nesse site em inglês), além de Mundruczó, claro, merecem todos os elogios, assim como e principalmente, Kirby (Martha), Shia LaBeouf (Seu marido Sean) e Molly Parker (A parteira Eva) que estavam completamente entregues em cena numa perfeita mistura de técnica e emoção. É simplesmente perfeito. 

Mas não pára por aí. Com passagens de tempo mensais, o filme vai mostrando como cada personagem vai lidando com o luto e o que o luto faz com cada personagem. Kiby é o grande destaque. Sua personagem pouco fala, sua dor está em seus olhos, em seu caminhar, em sua quase zero vontade de interagir com qualquer outro ser humano. Conseguimos ver como ela vai tentando juntar os pedaços dela mesma durante todos aqueles meses. A cena do jantar é outro momento de grande acerto da direção/fotografia/elenco ao mostrar como a protagonista quer se esconder. E não que ela não esteja lidando com a perda, como ela mesma fala, está lidando do jeito dela. E aqui chegamos a outro ponto. A forma como sua mãe lida com o luto, como não consegue aceitar como sua filha está lidando e esquecendo que cada ser humano reage de uma maneira diferente a qualquer tipo de situação, quando se trata de um trauma então, aí fica mais subjetivo ainda. Mais uma belíssima interpretação da incrível Ellen Burstyn que faz o papel da mãe da Martha. Shia LaBeouf também merece ser lembrado por seu trabalho. O pai da criança não nascida e, na verdade, um belíssimo de um escroto, que não consegue lidar com seu luto nem com o luto da esposa e se perde completamente. LaBeouf é um ótimo ator e fez seu trabalho muito bem. Quem também não pode deixar de ser lembrada é Molly Parker que, com pouquíssimo tempo de tela, mostra tanto como a parteira Eva. Trabalho impecável. 

É difícil, mas o tempo (olha as passagens de tempo aí de novo) vão fazendo as coisas continuarem novamente. Essa, pra mim, é a grande mensagem final do filme com o pé de maçã, que a Martha germina e come durante o filme, a gente muda, sofre perdas, mas continua, nos apegamos a lembranças boas como quando éramos crianças e subíamos no pé de maçã para pegá-las e assim seguimos. "Pieces of a woman" é um daqueles filmes que te fazem sentir muitas emoções, pode ser gatilho para algumas pessoas e para outras ser apenas ok. Mas terminá-lo sem precisar de pelo menos um copo d'água te garanto que é quase impossível. Vale a pena

O filme está disponível na Netflix, se não viu, fica a dica.

Trailer: