Uma pandemia em #AmorDeMãe, um amor de mãe na pandemia

Logo depois da controversa #ADonaDoPedaço, no mundo pré-pandemia, num passado que parece muito distante mas que foi "apenas" em novembro de 2019, #AmorDeMãe estreou deixando todos os corações noveleiros aquecidos. Logo no primeiro capítulo, a estréia de Manuela Dias no formato, vinda de sucessos em séries como #Justiça foi de encher os olhos. Personagens envolventes, histórias promissoras, temas universais, elenco dos sonhos e um olhar realista e de extremo bom gosto foram os ingredientes perfeitos pra fazer de #AmorDeMãe um produto de sucesso.  Não foi unanimidade mas a novela caiu no gosto e na boca do povo, a audiência foi crescente. Após quase quatro meses, com altos e baixos, no ápice de sua curva dramática a produção foi impactada, assim como o mundo inteiro, pela pandemia do coronavírus e num acontecimento histórico, onde todas a produções da Globo que estavam sendo filmadas foram suspensas, a novela foi interrompida. 
Ainda nas primeiras semanas de quarentena, quando o mundo realmente parou, os capítulos inéditos que restavam foram um acalento e também uma forma de nos manter no "velho normal", enquanto os jornais e a realidade nos mostrava que teríamos que mudar nossa forma de vida completamente. Com o início das reprises e com o mundo colapsando, logo sentimos falta da novela e principalmente da dona Lurdes. Víamos mais uma prova da força da novela (o produto) na sociedade brasileira. As reapresentações em todos os horários de inéditas (e a falta de programação inédita no geral) só reforçou a sensação de estarmos vivendo o mesmo dia ou presos "num mesmo momento".

O início de um sonho
No início da sua história, #AmorDeMãe deixou bem claro que mesmo com uma embalagem diferenciada era uma novela como todas as outras, baseada no melodrama mas que viria com ar de "realismo", quase um documentário. O primeiro capítulo tem um plano sequência (dois em um, se contarmos a passadinha no poste) envolvendo vários protagonistas que representa bem isso. A direção, fotografia, cenografia, arte, figurino e caracterização fizeram um trabalho excepcional e o resultado era visto na tela. Dos planos com câmera na mão, dos cenários que eram a casa das protagonistas, passando por detalhes como a toalhinha de enxugar suor da Lurdes até a cidade cenográfica mega, tudo enriquecia a trama e os personagens. O clima da novela era um pouco pós-apocalíptico com cores lavadas e uma Rio de Janeiro sem cristo redentor ou pão de açúcar. Os dramas dos personagens foram levados a potência máxima com esse clima. 
Wesley, personagem importante, morreu no início da história e vimos ali que a autora não se apegaria a personagens para deixar de contar uma história. Dona Lurdes foi a mãe que todas as mães são, foi impossível não reconhecer alguma mãe real em algum momento da personagem. Fez de tudo pelos seus filhos, inclusive várias coisas erradas, mas tudo em nome do amor, o amor de mãe. Virou símbolo e entrou pra história. Regina Casé, Adriana Esteves e Taís Araújo fizeram valer o título de protagonistas em cada cena. Todo o elenco esteve muito bem e segurou a onda dos personagens mesmo quando mudanças abruptas aconteciam. Manuela usou e abusou de viradas e troca-troca de casais (Grey's Anatomy fazendo escola) e convenceu bem até certo ponto. 
Quando o passado de Vitória veio a tona, ali senti que a novela forçou a barra. Taís, atriz experiente e competente que já conhecemos segurou a onda e fez cenas maravilhosas. Engolimos. Thelma foi se transformando da mãe super cuidadosa a chata de galochas e completamente sem noção ao furar a camisinha do próprio filho. Adriana Esteves fez uma composição perfeita da personagem e me lembrou zero Carminha, Laureta ou Inês, suas personagens vilãs anteriores. Mesmo com as enormes comparações consigo ver 4 pessoas completamente diferentes, claro, interpretadas pela mesma atriz. Mesmo assim, acho que Adriana deveria descansar um pouco da vilania. Regina Casé, retornando ao formato, provavelmente vai demorar a fazer outra novela depois de uma personagem tão marcante. Sua Lurdes foi impecável do início ao fim, passeava pelo drama e pela comédia com a naturalidade que apenas uma atriz tão competente como ela conseguiria fazer. Mas não me entenda mal, a Lurdes precisava ser a Regina, a Regina é a Lurdes. Impecável e inesquecível. Já quero um boneco Funko da Dona Lurdes. 
Também contribuíram muito para o desenrolar dessa linda história: Jessica Ellen, Irandhir Santos, Malu Galli, Nanda Costa, Humberto Carrão, Murilo Benício, Ísis Valverde, Chay Suede, Camila Márdila, Enrique Diaz, Vladimir Brichta, Tuca Andrada entre tantos e tantas. Destaque também para as músicas escolhidas pra novela que, além de uma bela seleção, é um grande apanhando da MPB, começando pela abertura com "É" do Gonzaginha, a clássica "Acabou Chorare" dos Novos Baianos, passando pela forte "Onde Estará O Meu Amor" com Maria Bethânia, que também interpretou "As Canções Que Você Fez Pra Mim", "O Que É Que Há?" com Fábio Jr., "Brother" do Jorge Ben Jor e com toques atuais representados por "Bixinho" da Duda Beat e "Tô Te Querendo" com Àttooxxa, Omulu e Luedji Luna.

Deu tudo errado?
Com a interrupção da novela e a criação dos rígidos protocolos de segurança, a grande dúvida que ficou foi se a novela, que no geral estava se saindo muito bem, iria perder qualidade (principalmente técnica). Não foi o caso. Atrelados a essa volta precisamos considerar dois fatos importantes:
    1º - Com todas as dificuldades para a produção dos capítulos, graças ao COVID e os cuidados necessários para evitar o mesmo, a direção e a Rede Globo condensaram o final em apenas 23 capítulos, num total de 125 (com os que já haviam sido exibidos). Originalmente seriam 155, 30 capítulos a mais.
   2º - A retomada das gravações aconteceram em agosto de 2020, muitas coisas que achávamos que sabíamos sobre o COVID logo depois caíram por terra. Outra coisa: tivemos uma falsa baixa na quantidade de casos e mortes pelo vírus. Após quase um ano de pandemia, em 15 de março de 2021, quando #AmorDeMãe voltou ao ar estávamos no ápice com 3.000 mortes diárias. 
Não acho que a Manuela tenha errado ao incorporar o COVID a trama, pelo contrário, acharia um erro se não o fizesse. Sua novela era toda baseada na "realidade" e fazia muito sentindo. Mas a mistura de todos esses fatos não foram moleza e essa segunda leva de capítulos de #AmorDeMãe sofreu um impacto gigantesco e pouco lembrava a novela que gostávamos de assistir. Vitória, talvez a personagem mais atingida, teve vários plots e nenhum desenvolvido minimamente bem, Taís segurou a onda mas o estrago já estava feito. As cenas em que ela deixa um cara com uma faca entrar em seu carro e a que entra sozinha no esconderijo do Álvaro foram difíceis de assistir. Vergonha alheia nível máximo. 
As tramas paralelas arrastadas e desnecessárias como Marina/Ryan, Durval/Dona Unicórnia deu a sensação de enrolação e tempo de tela gasto pra nada. A evolução da psicopatia da Thelma (se esse "diagnóstico" estiver errado, me corrijam) que, na primeira fase foi sendo desenvolvida lentamente, aqui a sutileza mandou lembranças. Ela virou uma vilã clássica que, ao contrário do que a intenção pretendia parecer, ela não estava fazendo as coisas que fazia por amor de mãe não, tinha virado uma louca ou apenas uma pessoa ruim mesmo. Adriana seguiu firme e conseguiu manter a dignidade da Thelma, a cena em que ela pede, no quarto do hotel onde estava com o neto que havia sequestrado, pro Danilo/Domênico falar com ela e o mesmo a ignora é de partir o coração. 
No início da retomada matamos a saudades da dona Lurdes com um plano muito parecido com o plano que iniciou a novela, lá no primeiro capítulo. Dessa vez não era uma entrevista de emprego com Vitória, Lurdes estava gravando um video falando da busca por Domênico. Nossos corações ficaram aquecidos com a volta da personagem e a dinâmica dela com os filhos, porém logo ela foi sequestrada e ficou quase dois capítulos desaparecida. O afago da mãe das mães que estávamos precisando foi bem reduzido. Até velório pelo zoom rolou. Sem contar a jaula que ficou presa. Clima tensíssimo entre os brothers. 
A trama ficou pesada demais e a dobradinha Jornal Nacional com recordes de mortes por COVID quase diariamente foi uma infeliz e péssima coincidência. Betina e Matias serviram para uma pequena mas digna homenagem aos profissionais da saúde que estão na linha de frente. Algumas informações desatualizadas obrigaram a Globo a colocar uma cartela no final de cada capítulo avisando que, quando os capítulos foram gravados, não havia comprovação científica de reinfecção por quem já pegou o vírus. Hoje já sabemos que é possível mas na novela vários personagens usaram da "desculpa" para tirar a máscara, se encontrarem, etc.
Sim, a segunda leva de capítulos desceu quadrada mas é interessante notar que o fio condutor principal (Lurdes/Domênico/Thelma) não perdeu a força e mesmo tombando nas tramas paralelas, Manuela parecia já ter certo o destino das personagens principais. No antepenúltimo capítulo (que poderia ser o último) tivemos uma catarse tão grande com o reencontro da Lurdes com o Danilo que quase esquecemos todos os escorregões como a cena do Davi dentro do carro, já sendo atacado por tiros quando resolve sair do mesmo e pedir pro atirador (Belizário) ter calma. Regina Casé e Chay Suede completamente entregues em cena, com uma direção sensível, sem excesso de melodrama e Regina maravilhosa, uma verdadeira matriarca, pegando Chay pela mão e o guiando durante a cena. Coisa linda de se ver e com certeza já está entre as cenas mais bonitas das novelas brasileiras. Chay, aliás, se havia alguma dúvida, carimbou seu certificado de melhor galã-ator da atualidade. Sua cena com a Adriana Esteves no leito de morte de Thelma também foi arrebatadora. Thelma dizendo "Mãe, você veio" foi de cortar o coração.
De quebra ainda tivemos "As Rainhas do Passeio", Leila e Penha que já tinham metade desse plot encaminhado na primeira leva de episódios, chamaram a atenção nessa segunda leva. Divertiram e assustaram. A cena que elas envenenam Belizário é uma mistura de comédia, tragédia e tantas outras coisas e mesmo assim, maravilhosa, que poucas vezes temos chances de ver. Clarissa Pinheiro e Arietha Corrêa 10/10.  #AmorDeMãe pode ser lembrada como "a novela da pandemia" ou pelos erros da segunda leva de episódios, mas também lembraremos da bela condução do José Luiz Villamarim, do trabalho impecável das pessoas de todos os departamentos da produção, das cenas "monólogos" maravilhosas protagonizadas pela Jessica Ellen e claro pela Regina Casé e pela dona Lurdes, uma personagem tão brasileira raiz, tão coração, tão real e tão inesquecível. O saldo, com certeza, é positivo.